maio 05, 2011

Escutar com atenção 2

 Ouvir depressa é uma forma original de expressar a dificuldade dos seres humanos para se ouvirem com atenção.


Parece que para escutar basta não ser surdo ou não ter os ouvidos tapados. Parece que, se alguém fala, o interlocutor, pelo simples facto de o ser, escuta. Mas não.


Não escuta aquele que não pára para pensar no que o outro lhe diz, o que interpreta apressadamente sem se meter na pele do que fala, o que não dispõe de tempo para permitir que a manifestação seja tranquila e repousada, o que mete as palavras mais cautelosas e sossegadas do confidente no torvelinho da agitação.

Não escuta aquele que está cheio de ruídos. O ruído dos seus interesses, do seu dogmatismo, do seu desprezo para com os outros. O ruído dos a prioris, do esquematismo mental.

Não escuta o que aconselha sistematicamente.
 
Não escuta aquele que não olha para o que fala. Como pode alguém captar o que o outro diz sem ver os seus olhos, as suas mãos, a sua expressão ... ?
 
Não escuta quem mantém uma conversa enquanto fala ao telefone, escreve uma carta ou olha para a televisão.
Acostumados a escutar os que falam na televisão ou na rádio, não pensamos que estamos diante um ser humano de carne e osso.


Não escuta o que quer impor as suas ideias. Quando o interlocutor fala, não o escuta, mas antes responde-lhe interiormente. Quando acaba, continua com o mesmo argumento. Não se pretende compreender, mas sim massacrar com argumentos.

Não escuta o que quer sempre falar.
 
Não escuta o que tem pressa. "Fale rapidamente. Resuma. Abrevie. Diga-o em poucas palavras. Não enrole. Não se embrulhe que tenho pressa". Olhar para o relógio com impaciência, atender outras ocupações, dar a sensação de sufoco ... Eis aqui algumas formas de matar a comunicação.


Não escuta a pessoa ensimesmada no seu próprio eu, na sua própria verborreia
Para escutar é preciso saber o que há por trás das palavras, respeitar o interlocutor, prestar toda a atenção, eliminar os ruídos interiores ...


Veremos como há pessoas que só querem que as escutem, mas que são incapazes de escutar. Não se inteiram de nada ou transformam o que o outro disse no que eles queriam ouvir.

É que falar é mais fácil do que escutar. Escutar é uma das tarefas mais difíceis que existem. Muitos morrem sem nunca o ter aprendido.


Queres escutar-me?, dizemos, irados, quando apenas estamos a tentar que nos ouçam. Escutar é outra coisa.
Para escutar é preciso que não haja mais nenhuma pessoa no mundo para além do interlocutor. Tem que se empregar todo o esforço para o entender e respeitar.


... Se soubéssemos Escutar, o mundo seria mais habitável. Está nas nossas mãos. Ou melhor: na nossa cabeça. Ou melhor ainda: nos nossos corações.


in

Santos Guerra, Miguel. No Coração da Escola. Porto: ASA
 
(exertos retirados de )

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